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sábado, 3 de abril de 2010

O AUTOMOBILISMO EM PETRÓPOLIS (1908 A 1958)

Encontrei na Internet este maravilhoso texto de Manoel de Souza Lordeiro e resolvi repassa-lo para os amigos. Da familia Lordeiro, bastante conhecida em Petrópolis, temos também Adilson Lordeiro, grande Mecânico e Preparador, hoje residindo lá pelas Minas Gerais. Fica aquí uma pequena homenagem a esta familia petropolitana.


O AUTOMOBILISMO EM PETRÓPOLIS (1908 A 1958)


Manoel de Souza Lordeiro

O primeiro evento automobilístico de que se tem notícia em Petrópolis data de 9 de março de 1908, com a chegada à cidade, dos volantes Gastão de Almeida e Braz de Nova Friburgo, conduzindo um Dietrich, procedentes do Rio de Janeiro. Fazendo-se acompanhar do mecânico Chocolat, haviam partido da então Avenida Central, hoje Rio Branco, às 13 h 30 min do dia 6 de março, chegando a Petrópolis no terceiro dia às 13 h. Tratava-se de um raide de resistência em que o automóvel teve ótimo desempenho, já que se constatou apenas “ algum desgaste na borracha das rodas” , como se disse na época.



O trecho da baixada foi o que apresentou as maiores dificuldades, pois tiveram que enfrentar áreas alagadiças e caminhos mal conservados. Naquela época havia a alternativa do trem, partindo da estação de São Francisco Xavier, e também a das barcas que saiam da Prainha em demanda do porto de Mauá, onde se tomava o trem para a Raiz da Serra e de lá a Petrópolis. Daí que caminhos de terra eram para veículos de tração animal. Automóvel ainda era “ avis rara”... O melhor trecho que percorreram foi o da Estrada Normal da Serra da Estrela, por onde subiam as diligências até 1883, quando foi inaugurada a linha de cremalheira que possibilitou a chegada dos trens àquela cidade serrana.





Os autores da façanha, algo excepcional naquela época, foram recebidos como heróis, sendo hospedados no Hotel Bragança. No dia seguinte, condutores e veículo retornaram, de trem, ao Rio de Janeiro, onde foram recebidos, também, entusiasticamente.



A 8 de setembro de 1910, Gastão de Almeida, Artur Bilbau e Sully de Souza, partem de Petrópolis rumo a Juiz de Fora, completando o raide em 8 horas, o que foi facilitado pelas condições favoráveis da Estrada União e Indústria. Igual sorte não tiveram Luiz Tavares Guerra, Luiz Prates e Honorato Pereira que, em 12 de abril de 1911, partiram rumo a Teresópolis, só completando o percurso em 39 horas!



A 4 de maio de 1914, às 10 h, os petropolitanos José Tavares Guerra, Henrique Cunha e João Raeder, mais os mecânicos Waldemar Rocha e José Silva, partiram de Petrópolis rumo a Paraíba do Sul, completando o percurso em cerca de 5 horas.



A partir de então, em decorrência do avanço da indústria automobilística e da conseqüente vulgarização do automóvel, provas de resistência perderam o interesse, voltando-se os esportistas para as competições, o que viria a ocorrer com regularidade a partir da década de trinta.



Uma notícia surpreende os petropolitanos em setembro de 1920: o conterrâneo Irineu Corrêa vencera uma corrida no dia 6 daquele mês em Chester Fair, nos Estados Unidos. Era o início da carreira do petropolitano que iria pontificar no cenário automobilístico brasileiro. Irineu Meyer Corrêa da Silva nasceu em Petrópolis em 24 de janeiro de 1900 e era o mais velho de oito irmãos, sendo seus pais Mario Corrêa da Silva e Mathilde Meyer da Silva. Ainda adolescente, embarca para os Estados Unidos, onde se estabelece por sete anos, dedicando-se à grande paixão de sua vida: a mecânica de automóveis. Durante sua estada naquele país participou de diversas provas, incluindo-se a de Chester Fair, em 1920, em que foi vitorioso. De volta ao Brasil, toma parte em várias competições, entre elas o Grande Prêmio Nacional Argentino, obtendo o 2º lugar em 1929 e o 3º em 1930. Ainda em 1930, disputa uma prova de resistência no trajeto Buenos Aires – Rosário – Córdoba, sagrando-se campeão.



Em 1929 Irineu, sempre atuante, participa da fundação do Automóvel Club do Brasil, no Rio de Janeiro. Em 8 de outubro de 1933 realiza-se o I Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro, no Circuito da Gávea, o “Trampolim do Diabo”, prova que passaria a ter projeção internacional, reunindo a elite dos pilotos do cenário automobilístico. Essa competição teve como vencedor Manoel de Teffé, que se consagraria como um dos melhores pilotos brasileiros, conduzindo um Alfa-Romeo. Irineu Corrêa, pilotando um Chrysler adaptado, quebra a bengala e fica fora da corrida. Para o II Grande Prêmio, em 1934, Irineu prepara um Ford Standard de 8 cilindros em V (o famoso V8), fazendo diversas adaptações para torná-lo mais competitivo. A data de 3 de outubro de 1934 viria a tornar-se uma referência para o automobilismo petropolitano: Irineu vence, sensacionalmente, o Circuito da Gávea. Tendo saído em uma das últimas posições no “grid” de largada, na metade do circuito, de 25 voltas, Irineu assume a ponta e recebe a bandeirada 5 segundos à frente do segundo colocado, o piloto Domingos Lopes. Era a consagração: Irineu volta a Petrópolis no dia seguinte e tem a apoteótica recepção em Quitandinha, estando à frente da comunidade o prefeito Nestor Ahrends.
                                                Irineu Corrêa ao volante de sua baratinha V8



Lamentavelmente, no III Grande Prêmio, realizado na Gávea em 2 de junho de 1935, um acidente causa a morte do intrépido piloto que tantas alegrias ainda poderia proporcionar a seus conterrâneos. Entre as inúmeras homenagens que lhe foram prestadas está a denominação de um logradouro perpetuando seu nome no bairro do Alto da Serra.



A data de 28 de fevereiro de 1932 assinala o início das competições tendo por cenário a cidade de Petrópolis: o Automóvel Club do Brasil, com apoio da Prefeitura Municipal, realiza a prova “Subida da Montanha”, disputada na Estrada Rio-Petrópolis, no trecho entre Meriti e Quitandinha. Essa primeira competição teve como vencedor o piloto alemão Hans von Stuck. A “Subida da Montanha” seria disputada ainda em 1933, tendo como vencedor Júlio de Morais; em 1937 e 1943, ambas vencidas por Manoel de Teffé; e em 1944, 1945 e 1946, vencidas, respectivamente, por Chico Landi, Catarino Andreata e Gino Bianco.



Na data de 6 de julho de 1936 realizou-se a primeira corrida em ruas do centro urbano de Petrópolis, numa promoção da Associação Automobilística Brasileira. O vencedor dessa prova foi Manoel de Teffé, seguido por Rubens Abrunhosa, outro grande destaque entre os volantes daquela época.

Manoel de Teffé

Durante a Segunda Grande Guerra houve uma sensível redução na promoção de competições automobilísticas, como seria de se esperar, diante das dificuldades de importação de veículos e componentes e do racionamento de combustível.



Realizado o VII Grande Prêmio da Cidade do Rio de Janeiro, no Circuito da Gávea, em 28 de setembro de 1941, com vitória de Chico Landi, somente em 1947, terminado o conflito mundial, a prova seria realizada novamente, tendo ainda como vencedor o lendário Chico Landi.



Uma nova fase do automobilismo petropolitano teria início em 1948, com a promoção do I Circuito Cidade de Petrópolis, em 4 de julho daquele ano, sagrando-se vencedor da categoria principal o piloto Benedito Lopes, com Maseratti de 1500 cc, seguido por Gino Bianco.

Benedito Lopes

Em 1949, no II Circuito, a vitória caberia a Gino Bianco, também com Maseratti, chegando em segundo Jorge Aloísio Fontenelle. No ano de 1951 realiza-se o III Circuito, cabendo a vitória a Cláudio Rodrigues na categoria Esporte Internacional, a principal da prova.


Cláudio Rodrigues

Tanto Cláudio como Luiz Vergueiro, segundo colocado, pilotavam um MG Super Especial. Na categoria 1100 cc dois petropolitanos iriam destacar-se. Antonio de Souza Lordeiro, o Niquinho, seria o vencedor, com Aylton Varanda em 3º, ambos pilotando Simca e derrotando Artur Troula e Gerd Stoltenberg, com Volkswagen, campeões da categoria. O feito foi bastante festejado pelo grande público presente.

Antonio de Souza Lordeiro, "Niquinho"   
        

Uma prova automobilística de longo percurso, o II Grande Prêmio Automobilístico Getúlio Vargas, organizada pelo Automóvel Club do Brasil e Rádio Panamericana, de São Paulo, seria realizada em 4 etapas, entre os dias 11 e 15 de novembro de 1951. Partindo de São Paulo, os carros deviam passar por Uberaba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, retornando ao ponto de partida, percorrendo um total de 2.136 km. Os carros eram do tipo “carretera”, categoria bastante popular entre argentinos, uruguaios e gaúchos, estes últimos favoritos da competição.



Entre os 39 volantes inscritos estavam Francisco Landi (SP), Catarino e Júlio Andreata (RS), Aristides Bertuol (RS), Artur Troula (RJ), Diogo Elwanger (RS) e Djalma Pessolatto (SP); em suma, a elite dos “estradeiros”. O único petropolitano inscrito na prova era Antonio de Souza Lordeiro, o Niquinho, tendo como acompanhante o mecânico Carlos Peixoto da Costa.



A largada oficial, no quilômetro 12 da Via Anhanguera, foi dada mediante sorteio, com intervalos de 1 minuto entre cada concorrente. Chico Landi, com Nash, quebrou logo na primeira etapa, sendo alijado da disputa. Niquinho, com seu Ford n.º 106, mantinha-se bem colocado no meio do pelotão quando, ao aproximar-se de Belo Horizonte, capotou espetacularmente. Felizmente não houve danos físicos ao piloto e seu acompanhante, mas o desempenho do carro ficou bastante comprometido daí em diante. A terceira etapa, Belo Horizonte – Rio, incluía a passagem por Petrópolis, onde numerosas pessoas se aglomeraram ao longo do trajeto, sendo Niquinho bastante ovacionado à sua passagem. O dia 14 seria de descanso para os pilotos. Mas não para Niquinho, que retorna a Petrópolis para fazer alguns reparos que o permitissem prosseguir. Dos 39 inscritos apenas 16 atingiram a meta final, e Niquinho estava entre eles. O grande vencedor foi o gaúcho Júlio Andreata, com Ford, no tempo total de 21 h 12 min 33 s, média de 100 km/h.



Nos circuitos realizados em Petrópolis em 1952 e 1957 o vencedor foi Henrique Casini, ao volante de uma Ferrari de 3.000 cc. Em 16 de março de 1958 é realizado o VI Circuito da Cidade de Petrópolis, prova em 30 voltas que teria mais uma vez no alto do pódio da categoria principal o piloto Henrique Casini, desta vez com Maseratti. Em segundo lugar, Artur de Souza Costa. Na categoria Mecânica Nacional venceu Camilo Cristófaro, com Ford, seguido por Mario Olivetti (Citroën), que então iniciava uma carreira vitoriosa. Aylton Varanda e Victor Levy participaram, também, mas o carro de Aylton apresentou um vazamento de óleo e Levy foi de encontro ao meio-fio, tendo ambos que abandonar a prova. Niquinho, que no ano anterior havia vencido uma prova em Interlagos na categoria Esporte Internacional, não participou deste VI Circuito. Já cinquentenário, ia deixando as pistas mas continuava a apoiar o esporte, inclusive pondo à disposição dos competidores sua oficina mecânica na Rua Teresa n.º 52, onde hoje se encontra o templo Mórmon.

Henrique Casini, tendo ao lado esquerdo Antono de Souza Lordeiro, "Niquinho".



Além dos nomes já mencionados, outros pilotos petropolitanos tiveram atuação destacada na década de 50: Álvaro Varanda Filho, Hélio Guilherme Kreischer (o “Delegado”), Giovanni Bianchi, “Jiquica” Varanda, só para citar alguns deles. Sua presença foi marcante em cenários tais como a Quinta da Boa Vista, Praia de Botafogo, Maracanã, Niterói-Cabo Frio e no tradicional circuito de Interlagos. As corrida em Petrópolis eram realizadas em ruas da área central, o que fazia da cidade uma espécie de Mônaco brasileira. Calcula-se que mais de 20 mil pessoas se deslocavam para o centro urbano a fim de assistir às competições.




Na residência de Alvaro Varanda Filho (no topo da escada de óculos escuros), aparecem pilotos petropolitanos, entre outros, Victor Levy, Aylton Varanda, Giovanni Bianchi, Antonio Lordeiro “Niquinho”, com um seu descendente,

ladeando Juan Manuel Fangio, o primeiro junto ao corrimão, de baixo para cima.

Dois acidentes, que resultaram em mortes, provocariam intensa comoção pública, decretando o fim das provas de rua na cidade de Petrópolis.



Todo resumo é falho e este não fugiria à regra. De qualquer modo, procuramos reunir alguns elementos de informação do que foi o período heróico – ou seria romântico? – do automobilismo petropolitano. A maioria dos personagens aqui citados já não está entre nós. De onde estiverem, que nos perdoem pelas falhas cometidas. 2008 será o ano do centenário e até lá mais cinqüenta anos serão relatados. A mãos mais hábeis, pois, passamos o bastão que nos foi confiado.